José Huguenin
Em “Os sertões”, Euclydes da Cunha, sustentado por relatos orais, profecias apocalípticas atribuídas ao Conselheiro, além de poemas populares da época, apresentou o líder religioso com um forte viés messiânico e sebastianista. Apontou-o como um fanático religioso.
Ao fim da Guerra de Canudos em 1897, enquanto o exército derrubava cada uma das cercas de cinco mil moradias sertanejas, um militar do 25o Batalhão de Infantaria encontrou no Santuário (local onde habitava o Conselheiro) Manuscritos do líder de Canudos, escritos de próprio punho, contendo os hoje conhecidos “Sermões de Conselheiro”. Esse material foi publicado pela Editora da UFBA, no livro Breviário de Antonio Conselheiro, organizado por Walnice Nogueira Galvão e Fernando da Rocha Peres, contendo fragmentos e discussões sobre estes escritos. A íntegra do texto pode ser obtida junto ao Centro de Estudos Baianos da UFBA. Vale destacar que Euclydes não teve acesso a estes manuscritos.
O saudoso e grande estudioso da obra Euclidiana, Roberto Ventura, em seu artigo Canudos como cidade iletrada: Euclides da Cunha na urbs monstruosa , faz um importante contraponto entre a visão de Euclydes sobre o Conselheiro, apresentada em “Os sertões”, e a visão que se tem a partir de seus escritos, que mostram um religioso diferente do fanático místico ou do profeta iletrado. Ao contrário, revelam um sertanejo lucido, letrado, capaz de exprimir-se. O artigo de Ventura é uma excelente leitura!
Sobre o caráter profético/messiânico do Conselheiro, o historiador, professor da UNB Vicente Dobroruka, por ocasião do centenário da Guerra de Canudos em 1997, escreveu o artigo Antonio Conselheiro, profeta do sertão? onde confronta visões sobre o Conselheiro de diferentes autores. Ele constata que autores de épocas mais próximas à guerra deram uma característica mística para o sertanejo, inclusive e, talvez, a partir de Euclydes da Cunha, enquanto autores mais recentes, que tiveram acesso aos manuscritos de Antônio Conselheiro, o apresentam como um pregador católico tradicional, sem os traços fanáticos e proféticos.
O texto e as imagens do Conselheiro morto, cabeludo e barbudo, com camisolão, talvez tenham fortalecido a ideia de louco. Os manuscritos do líder sertanejo mostram outro viés. Será que coexistiram essas duas visões? O tema é muito instigante e o(a) leitor(a) encontra na literatura especializada excelentes trabalhos sobre isso.
Antônio conselheiro era ou não profeta?