Euclydes Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em 20 de Janeiro de 1866 numa fazenda de café em um distrito de Cantagalo chamado Santa Rita do Rio Negro, hoje Euclidelândia em homenagem ao escritor, no interior do estado do Rio de Janeiro. Perdeu a mãe Eudóxia Moreira da Cunha aos três anos de idade e foi lançado num turbilhão de mudanças inesperadas, o menino Euclides teve que ir morar com parentes devido às dificuldades financeiras de seu pai Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha, que trabalhava como guarda-livros das fazendas de café.
Nesta época o Brasil era governado por D. Pedro II e dominado por grandes proprietários de terras e de escravos. Seria pouco provável a ascensão social e acesso a uma carreira intelectual de um jovem como ele que vivia como agregado na casa de tios e com poucos recursos materiais. Então, Euclides ciente de suas dificuldades financeiras e familiares faz a opção de estudar engenharia na Escola Militar no Rio de Janeiro, onde receberia uma retribuição por seus serviços militares. Em 1880, vigorava na Escola Militar da Praia Vermelha o princípio do mérito e a mentalidade científica, em contraste com a sociedade patriarcal, rural e hierarquizada. Euclides torna-se logo um republicano, cuja causa para ele vinculava-se ao princípio do talento e do mérito, em oposição às regras da sociedade da Corte, onde os privilégios eram assegurados pela proximidade com o imperador.
Em 1888, sob a tutela de Júlio de Mesquita, editor de um jornal que hoje é O Estado de São Paulo, Euclides publica artigos protestando contra o Império de D. Pedro II e aconselhando seus leitores a abraçar essa sua causa revolucionária. Isso lhe permite interagir com intelectuais anticlericais, antiescravagistas e antimonárquicos. Pouco depois é proclamada a República e Euclides passa a ser reverenciado como o corajoso estudante que ousou enfrentar o poder constituído. Em 10 de setembro de 1890 casa-se com Anna Emília Ribeiro com quem teve três filhos. Em 1897 é enviado pelo jornal O Estado de São Paulo para acompanhar o conflito em Canudos, Euclides consagra-se então como o primeiro correspondente do importante jornal paulista. A descrição da viagem, a etnografia do local e da guerra, seus questionamentos em relação ao envio das tropas serviram de base para o livro que escreveria mais tarde sobre os acontecimentos em Canudos. A formação intelectual de Euclides também foi uma ferramenta para ele descrever a fauna, a flora, a geografia, a geologia e, sobretudo, a população sertaneja. Não é necessário enfatizar os perigos desta viagem, Euclides poderia não ter sobrevivido. Maior que a ousadia de enfrentar a missão foi à decisão de denunciar a falta de aptidão, o fanatismo e a falta de sensibilidade do Exército em Canudos. Passou a atribuir a responsabilidade de um crime nacional aos governantes e a toda a intelectualidade aferrada ao litoral, e totalmente descuidada do interior. Daí o seu grito de protesto e indignação, ao escrever Os Sertões, lançado em 1902, fez um sucesso estrondoso, assegurando instantaneamente ao autor lugar na Academia Brasileira de Letras e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O livro era, ao mesmo tempo uma crônica sobre a Guerra de Canudos, uma crítica histórica sobre a formação do caráter nacional e uma denuncia sobre o descaso e a violência da elite contra boa parte do povo brasileiro. Euclides propôs uma radiografia do país, revelando as diferentes camadas de uma nação de contrastes. Reunindo vários saberes científicos, histológicos, filosóficos, literários, ele reinterpretou em pouco tempo fatos históricos e promoveu uma releitura de nossa formação racial, despertando a consciência de um país cego para questões sociais. Além disso, o livro é literatura da melhor qualidade.
De 1896 a 1903, exceto pelos três anos que passou em São José do Rio Pardo supervisionando a reconstrução de uma ponte metálica, Euclides trabalhou duramente como engenheiro para a Superintendência de Obras Públicas de São Paulo. Abominava o posto e ainda viu seu salário ser reduzido devido à crise do café. Ironicamente, ele, que acabava de conquistar a glória e respeito literário, pois havia publicado Os Sertões em 1902 cuja fama lhe proporcionou momentos de felicidade nunca antes vividos, chegou a degradante situação de procurar emprego. Em 1904 conseguiu um cargo, mas sua vida matrimonial começava a desabar. No ano seguinte surge na vida do escritor mais uma chance de fugir das dificuldades do lar: a viagem para a Amazônia, como chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus. Permanece quase um ano na selva, volta para casa debilitado pelos efeitos da malária. Em casa, sua vida familiar já está destruída.
Euclides da Cunha reproduziu em sua vida os princípios que guiavam suas convicções éticas, políticas e profissionais. Sua retidão e sua integridade eram notórias. Para o cientista e literato não havia meios termos e meios tons. Tampouco o jeitinho e a ambivalência. Dotado de um temperamento intempestivo, decidiu agir em defesa de sua honra ao descobrir que sua esposa Anna, o traíra com um cadete do Exército, Dilermando de Assis. Euclides morreu aos 43 anos, baleado pelo jovem cadete no dia 15 de agosto de 1909.
A imprensa impulsionada pelo acontecimento, não poupou elogios a Euclides. A natureza trágica do episódio tornou ainda mais espetacular a cobertura jornalística. Euclides da Cunha virou personagem, objeto de culto que perduraria por muitos anos, acrescentando às qualidades do escritor a de mártir nacional.
No dia seguinte ao acontecido, longas romarias se formaram no necrotério e na Academia Brasileira de Letras, onde Euclides foi velado. Diversas instituições puseram em marcha uma série de homenagens. O maranhense Coelho Neto fez um discurso na Câmara apresentando Euclides da Cunha como “um homem do interior”, voltado não somente para o Brasil periférico, mas principalmente para o “Brasil dos sertões”. Coelho Neto fazia referência ao fato de Euclides ter nascido em Cantagalo, interior do estado do Rio, e por isso dotado de sensibilidade para compreender e expressar a vida do “Brasil real”. Idéias como estas permitiram a construção póstuma da memória do escritor nos anos que se seguiam.
Em 1910 nasciam os primeiros “euclidianos” ou “euclidianistas”. No primeiro aniversário de morte do escritor, seus amigos e admiradores iniciaram um movimento por protesto contra a absolvição de Dilermando de Assis. Reunidos em frente ao seu túmulo, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, fizeram o juramento de levar adiante sua palavra. Em 1912, em São José do Rio Pardo, onde Euclides viveu por três anos e escreveu grande parte de Os Sertões, amigos e admiradores fiéis passaram a homenageá-lo nos seus aniversários de morte criando a “Semana Euclidiana”, importante evento dedicado à reflexão sobre a vida e a obra do escritor que passou a se repetir todos os anos, perdurando por um século. A visita ritual à cabana de madeira onde a obra prima foi escrita transformou-se num dos pontos altos da celebração. Em 1938, o casebre foi tombado pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. A casa onde Euclides residiu com a família foi restaurada e confiada ao governo de São Paulo. Em 1919 foi inaugurada a Herma de Euclides da Cunha na Praça João XXIII em Cantagalo, tendo a imagem do busto de Euclides sobre o livro Os Sertões. No Centenário de nascimento do escritor, sua cidade natal Cantagalo, inaugurou a Casa de Euclides da Cunha. Em 29 de junho de 1996, foi inaugurado em Cantagalo o Memorial Euclides da Cunha no local exato em que o escritor nasceu. Em 2009, ano do centenário de sua morte, Cantagalo organizou vários eventos e homenagens: Abertura do Ano Nacional de Euclides, Acendimento da Chama Euclidiana, o Seminário Internacional 100 anos sem Euclides e o Encerramento do Ano Nacional de Euclides.
Os euclidianos elaboraram diversos projetos de difusão do pensamento do escritor, produzindo novas edições de Os Sertões, ampliando os estudos e as pesquisas e fazendo contato com editoras estrangeiras para a publicação da obra no exterior. As reedições de Os Sertões proliferaram desde a primeira publicação e houve um grande empenho para ter sua leitura obrigatória nas escolas.
Euclides da Cunha morreu jovem, mas já havia saído a terceira edição do livro que o colocou definitivamente entre os maiores autores brasileiros de todos os tempos, jamais havia sido feito no Brasil tamanho esforço para preservar a memória de um escritor. Euclides da Cunha é considerado o porta voz da nacionalidade autêntica, valorizando o Brasil profundo do interior e dos sertões do Norte.
Outras obras de Euclides da Cunha: “Contrastes e Confrontos”, “Peru versus Bolívia”, “À Margem da História”, “Canudos: diário de uma expedição”, “Caderneta de Campo” e “Ondas”.
Texto de Fernanda Bruni, diretora do GEAC , Escritos Euclidianos – vol. 1
Mais notas biográficas podem ser encontradas no site da Casa Euclidiana de São José do Rio Pardo e no portal Euclidesites
Biografias de Euclydes da Cunha
Listamos aqui algumas biografias de Euclydes da Cunha publicadas. Se conhecer alguma não listada, por favor, escreva para contato@movimentoeuclidiano.com.br. Ajude a ampliar o acervo da página!
Era uma vez Euclydes (para jovens leitores) – Fabiana Corrêa
“Euclides da Cunha: Esboço biográfico – 2ª edição ampliada” – Roberto Ventura
“Euclides da Cunha: uma odisseia nos trópicos” – Frederic Amory (2009)
“Euclides da Cunha: Uma biografia” – Luís Cláudio Villafañe G. Santos (2021)
Vídeos & Documentários
Programa Observatório da Imprensa – Alberto Dines Especial 100 anos sem Euclydes.
Entrevista com Euclydes da Cunha – Programa Retrovisor – Canal Brasil – trecho do programa. “Autor de “Os Sertões”, Euclides da Cunha entrou para a história com sua brilhante análise psicológica do sertanejo e seus costumes. Em entrevista a Paulo Markun, o ator Aury Porto dá vida ao poeta.” (texto de divulgação- Canal Brasil)
Leituras do Brasil – “Os sertões” – documentária TV Cultura